No dia 19 de junho de 2020, o Atlético Goianiense lançou seu terceiro escudo, com um formato inovador e único, atendendo aos pedidos de torcedores que alegavam estar cansados de ter um símbolo que lembrasse a indumentária do São Paulo Futebol Clube. Em meio à empolgação dos que agora entendem que o clube tem uma marca mais autêntica abriu-se o debate se esse será mesmo um “escudo a mais” ou se é somente o início do processo de “aposentadoria do escudo triangular”, que marca quase toda trajetória do Dragão Campineiro. Bom, esse debate a meu ver, é equivocado. Não se pode sequer cogitar abandonar o símbolo tradicional de formato diamante. Ao contrário de estimular uma disputa de brasões, o que se deve incentivar é o saudável convívio entre os diferentes escudos
História dos Escudos do Rubro-Negro Goiano
Quem vê atualmente o manto sagrado do Dragão nem imagina que o Atlético Goianiense já jogou até sem escudo. Nos anos 30, jogava no campo de terra da Vila Operária na avenida 24 de Outubro, no Bairro de Campinas, mesmo campinho que anos depois se tornaria o Estádio Antônio Accioly em 1947. Como sempre foi o clube do povo, inicialmente nossos jogadores não andavam engomados e bem-vestidos como os dos rivais, que tinham apoio do Governo ou de famílias ricas. Portanto, o Dragão tem em seus primeiros registros fotográficos várias fotos do time em campo sem nenhum distintivo, somente com a camisa rubro-negra.
O Atlético alterna dois distintivos entre os anos 40 e 50, um com as letras A, C e G sobrepostas bordadas nas camisas e outro no formato de um triângulo invertido nas cores vermelho, branco e preto, e com as letras ACG escritas no topo. O primeiro registro fotográfico do Atlético com o escudo triangular, o atual e mais conhecido do torcedor, é de fotos do final dos anos 30, em dois registros do time que tinha Nicanor Gordo, Afonsinho Gordo, João V 8 e Edson Hermano, tal qual aparecem no livro “Arquivos do Futebol Goiano” de João Batista Alves Filho (pg. 106).
A partir de 1959, o Atlético passa a usar somente o escudo triangular, e, com o tempo, faz pequenas modificações, sem alterar o modelo original. Os trabalhos históricos e jornalísticos remetem ao fato de o Atlético homenagear com o formato de seu escudo o São Paulo, e com suas cores o Flamengo. Porém, há de se levar em conta que o São Paulo foi fundado em 1930 e que em 1937, ano que o Atlético foi fundado, o tricolor paulista não era um time tão popular e campeão ao ponto de influenciar clubes do interior do país. Tá aí uma boa polêmica.
O fato é que um Escudo não é só um Escudo, é um símbolo que remete à tradição, a títulos, a ídolos, a glórias…e isso tudo está no emblema tradicional. O torcedor vê no Escudo a sua grande força. E quando falamos do clube mais antigo da capital, isso pesa muito mais.
Inovação Aliada à Tradição – Mais um Escudo para o Dragão
Colocada toda essa trajetória dos escudos atleticanos, isso impediria o Dragão de inovar em conceitos? Não. O Atlético lança seu terceiro escudo sem substituir o escudo que compõe o 1º e 2º uniforme, e agora, tal qual outros grandes clubes, terá 3 escudos.
Temos então mais um símbolo para atrair novas gerações de torcedores e responder aos anseios de jovens atleticanos nas redes sociais. Com mais um emblema o clube ganha em possibilidades para a 3ª camisa de jogo, para edições especiais, comemorativas, linhas casuais, de passeio e materiais em geral.
Seria um Erro a Disputa Entre os Símbolos
Por mais que o presidente do clube, Adson Batista, tenha dado uma importante e coerente declaração dizendo que: “quem manda no clube é o torcedor. Mas eu já adianto que jamais deixaremos de valorizar o escudo tradicional. O Atlético-GO tem sua própria essência. Vamos sempre usá-lo no uniforme rubro-negro número 1.” (Site do Globo Esporte de 19 de junho de 2020), vemos que tanto alguns atleticanos como outros comunicadores insistem na ideia de que a substituição do símbolo atual é questão de tempo, batendo muito na tecla de que o Atlético não pode ter um símbolo parecido com o de outro clube.
Vejamos por que essa ideia de substituição parece tão perigosa para uma parte considerável da torcida, em especial muitos que não usam redes sociais, pessoas mais velhas e que deram grandes contribuições ao clube. Imaginar a mudança de símbolos do Dragão Campineiro faz relembrar tempos tenebrosos, a última vez que isso apareceu foi no tempo do ex-presidente Alencar Junior, que queria mudar o nome do clube porque dizia que já existia outro Atlético, queria mudar a cor da camisa porque lembraria o Flamengo e queria mudar o mascote de um Dragão para um Gavião por razões religiosas. É claro que os tempos são outros, hoje o Dragão tem respeito e valoriza seu passado, a Diretoria do clube já anunciou que vem aí um Museu, temos Camisas Retrôs, homenagem a ex-jogadores, rememoração constante de títulos e façanhas nas redes sociais do clube, torcida engajada por reconstruir o Busto de Antônio Accioly…. Sabemos disso. Mas, dizem que cachorro mordido de cobra tem medo até de linguiça. Em tempos de mercantilização e elitização do futebol, onde tudo vai se tornando mercadoria para ser vendida, inclusive símbolos, paixões, há de se entender todo o receio.
Por parte de alguns cronistas, a cobrança pela tal “originalidade” é exagerada, nunca vimos o mesmo rigor com o Goiás, que usava as cores do América-MG, usa o símbolo imortalizado na camisa do Guarani campeão brasileiro de 1978 e tem um mascote (periquito) idêntico ao do Palmeiras. Detalhe, antes disso, nos anos 40 e 50, teve um escudo parecidíssimo com o do Goiânia. O fato de o Vila Nova ter um mascote (tigre) igual ao de uma dezena de outros times, bem como a cor da camisa, também nunca motivou grandes mobilizações pela mudança em busca da “originalidade”.
O fato é que inspirações existem e sempre existiram, só ver o quanto o símbolo do Bahia se parece com o do Corinthians, e nem por isso se fala em substituição de escudo.
O Atlético não precisa ter um único escudo, não se vê no Flamengo torcedores ou a mídia brigando para ver qual é o “escudo de verdade”, o time jogou a final da Libertadores com um escudo e a final do Mundial com outro escudo. Nenhum problema. O Palmeiras tem dois mascotes oficiais, o Porco e o Periquito, o Vasco também, o Almirante e o Português/Bacalhau. Há espaço para todos.
Uma pesquisa informal realizada no dia 25 de junho em um grande grupo de atleticanos no Facebook – Dragão-Atlético-GO -, organizada pela torcedora Fernanda Cavalcante, perguntou qual escudo a torcida preferia (como se tivéssemos que colocar um contra o outro…) e vejamos o resultado: 94 votos pelo escudo mais antigo e 146 pelo escudo recém-lançado, uma amostragem significativa para ambos os lados (60 contra 40 %), ainda mais se levarmos em conta que muitos dos torcedores mais velhos, mais avessos à mudança, não usam rede social. Ou seja, não dá para desprezar nenhuma das opiniões e preferências dos torcedores, independente de qual camisa venda mais ou de qual símbolo tenha “mais curtidas”.
Por fim, o que isso tudo quer dizer? Que não é hora de achar que o clube vai crescer deixando para trás uma parte da torcida, seja ela a dos “antigos” ou dos “inovadores”, o Dragão tem que crescer com todos.
Se é gostoso ver uma festa nas redes sociais e torcedores animados com o 3º escudo, como os apaixonados e fieis atleticanos Carlos Mesquita, Diogo Milhomem, Renato Rafael, Reynaldo Martins, Lucas Rocha, Andre Paiva, Pamela Avelar, Luciano Garcia, Hélio Bahia, por outro lado seria muito triste ver pessoas que dedicaram suas vidas ao clube verem o símbolo que tanto as marcou ser substituído, é o caso dos que já se posicionaram a favor da manutenção do escudo tradicional na camisa, no estádio e na propaganda do clube, atleticanos como Antonio Celso, Carlos Eduardo Silva e Beneval Ataide – sócios do clube -, Leonardo Bariane e Maykol Kuramoto – Conselheiros do Dragão -, Celso Melo – o maior colecionador de camisas antigas do Atlético -, Hellen Accioly – filha do patrono e ex-presidente Antônio Accioly -, Guto Josman, Emival Calaça, Ubiratan Francisco, Ride Correa, Paulo Batista Xavier – apaixonados de alambrado desde muitas décadas -, Breno Praxedes – da torcida organizada nos anos 90 e 2000 -, por exemplo.
Eu me somo à opinião de que a fachada do Accioly e a camisa rubro-negra devem continuar ostentando o símbolo que já marcou o Dragão desde o fim dos anos 30, para mim é o São Paulo que se parece com o Atlético e ponto final. Sigamos com três lindos escudos, e com diferentes camisas atendendo a todos os atleticanos, sem deixar nenhum torcedor rubro-negro para trás.
Paulo Winícius Maskote – Atleticano, Campineiro, Historiador, Professor, Doutorando em História pela USP. E-mail: [email protected]